A Nápoles de Elena Ferrante
- circulareslivros
- 12 de ago. de 2021
- 4 min de leitura

Os romances de Elena Ferrante descortinam vários cenários de Nápoles, seus habitantes, o luxo e o lixo, todo o caos que ronda. Depois de ler seus livros, a gente fica tão familiarizada com a cidade, que às vezes dá até para sentir os cheiros, escutar os barulhos e perceber a confusão das suas ruas. Dá para imaginar os edifícios cinzentos do Rione Luzzatti onde Lina e Lenu cresceram, o azul do mar e a areia muito branca das praias de Ischia onde Lina se apaixona por Nino, o funicular que inicia a descida de Giannina do Vomero até à área industrial para visitar sua tia Vittoria, as piazzas por onde ela e Giulliana caminham e conversam sobre Roberto, os becos e ruelas que Delia atravessa atrás de lembranças de infância para exorcizar a morte da mãe.
Em 1787, Goethe resumiu tudo: Verdi Napoli e poi muore — Veja Napoles e depois morra. A terceira maior cidade da Itália, depois de Roma e Milão, Nápoles tem cerca de 1 milhão de habitantes. Foi fundada pelos gregos em 470 a.C., sob o nome de Neapolis, que significa Cidade Nova, o que não deixa de ser uma ironia já que é considera uma das mais velhas da Europa.
Na tetralogia Ferrante, a violência é muito presente, quase um personagem por si só. Os irmãos Solara têm conexões com a Camorra, a máfia italiana. Esse grupo criminoso foi retratado pelo jornalista Roberto Saviano no livro Gomorra. Saviano hoje é uma pessoa jurada de morte. Vive com a proteção 24/7 de carabinieri. Ele se diz arrependido de ter escrito o livro, mas muito do que se conhece sobre a Camorra se deve ao seu trabalho. Recentemente publicou uma obra sobre os meninos que, no vácuo deixado pelos velhos chefes, muitos presos, outros aposentados, disputam com grande violência o comando dos bairros Nápoles e dos negócios da Camorra. Extorsão, falsificação e, claro, tráfico de drogas.
Dizem que a Camorra está por trás da contratação de Diego Maradona pelo Napoli, onde o argentino jogou por sete anos. Se não há confirmação sobre esse fato, não há dúvida de que a Camorra financiou o vício em cocaína de Maradona e soube tirar proveito dessa proximidade. Maradona participava de eventos e inaugurações promovidas pela máfia italiana.

Maradona vem do proletariado, conhecia a pobreza. Um napolitano burguês é muito diferente de alguém da Camorra. Maradona era um do povo, das camadas populares. E a máfia gosta de aproveitar esse tipo de relação. Relacionar-se com uma lenda é algo que dá prestígio. (Mariano Niola, antropólogo)
Com Maradona, o Napoli ganhou dois títulos italianos e ingressou na elite do futebol. Em 1991, Dieguito, dios, D10s deixou o time e a cidade ao ser pego em um exame de dopping. Àquela altura, já não vivia a mesma mágica com a torcida. Hoje, o estádio do Napoli carrega seu nome.
A conexão de Nápoles com o divino vai além das mais de 450 igrejas espalhadas por todos os cantos. San Gennaro é o patrono da cidade. Três vezes por ano, é possível testemunhar o sangue sólido do santo liquefazer-se. Uma dessas datas é exatamente o aniversário da erupção do Vesúvio, 16 de dezembro. É a esse milagre que se atribui o fato da cidade, a apenas 22 km do vulcão, não ter sido destruída como Pompeia. Preocupados com os sinais de uma erupção próxima do Vesúvio, napolitanos correram para o túmulo de San Gennaro e rezaram por sua proteção. As lavas não atravessaram as portas de Nápoles.

Séculos de história, arte e arquitetura fizeram a Unesco declarar o centro histórico de Nápoles patrimônio mundial. São muitos os que se renderam aos encantos dessa cidade. No mundo literário, além de Goethe, Virgilio, Sartre, Stendhal, Alexandre Dumas e Flaubert fizeram declarações de amor e admiração à beleza de Nápoles. A romana Sophia Louren se diz napolitana.
Numa próxima viagem à Itália, não deixe de conhecer Nápoles. Há muitos roteiros prontos inspirados na obra de Elena Ferrante. Se encontrar com Lila, Lenu, Nino, Delia, Vittoria, Roberto, não se surpreenda. Tome um café com eles. Ristretto.

Não sabemos quem é Elena Ferrante. Esse nome é um pseudônimo que essa escritora misteriosa utiliza. Dizem que é Anita Raja, tradutora da mesma editora que lança seus livros, casada com Domenico Starnone (maravilhoso também!). Elena dá pouquíssimas entrevistas, quase sempre por email. Aqui você encontra uma delas. Durante um ano, em 2018, a escritora escreveu um texto semanal no jornal The Guardian.
“Sempre nos ocupamos muito de Ferrante do ponto de vista literário. Não nos interessa em nada qual é sua verdadeira identidade. Na literatura importam as obras. Não nos interessam as fofocas domésticas de Shakespeare, e sim que tenha escrito Macbeth e Hamlet” (Nicola Lagioia, diretor do Salão do Livro de Turim).
Sabia que a Amiga Genial foi transformada em série (HBO) e a própria Elena Ferrante participou da adaptação? Ela exigiu que o italiano fosse o idioma falado nas telas.

Leia com a Circulares os livros de Elena Ferrante Amiga Genial História do Novo Sobrenome História de Quem Vai e de Quem Fica História da Menina Perdida
A Vida Mentirosa dos Adultos
A Filha Perdida
Dias de Abandono
Frantumaglia
Ah, e já conhece o Domenico Starnone? Vale muito a pena!
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