As diferenças na Índia
- circulareslivros
- 12 de ago. de 2021
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Na Índia, grande parte do destino de uma pessoa é definida pelas suas condições de nascimento. A imagem de um país moderno e dinâmico, que se destaca pelas altas taxas de crescimento econômico, não encontra reflexo no espelho da segmentação social definida pelo sistema milenar de castas, com origem no hinduísmo.
A pureza é a “medida” que define o lugar de uma casta. Os mais puros são os brâmanes, de onde os filósofos, sacerdotes e professores descendem. Os mais impuros são os dalits que lidam com a morte e com fluidos corpóreos. Ser um brâmane significa prestígio intelectual e acesso à educação e oportunidades diversas. Ser um dalit (ou intocável) significa passar a vida limpando latrinas ou lidando com o lixo.
Desde a independência da Índia do domínio inglês, o arcabouço legal do país conta com leis que proíbem a discriminação por castas e até mesmo vigoram políticas afirmativas para aumentar as oportunidades dos mais desfavorecidos. Na vida real, no entanto, a separação de castas continua a ditar as relações sociais. A ocupação de postos de trabalho é definida em grande medida com base na casta, independentemente do nível de instrução ou habilidade do candidato. É possível identificar a qual casta uma pessoa pertence por meio do seu sobrenome e as perguntas de entrevistas de trabalho costumam girar em torno do histórico familiar. Praticamente não há casamento entre castas diferentes, sendo mais raro ainda a união entre um dalit e um bramane.
Os números indicam que os dalits formam um contingente de mais de 200 milhões de pessoas, 16% da população indiana. Mais de 80% desse grupo vive na extrema pobreza, com menos de US$ 2 por dia. As estatísticas apontam que a cada 16 minutos um crime é cometido contra um dalit por um não dalit.
A estratificação social com base nas castas confronta diretamente a teoria da liberdade para o desenvolvimento de Amartya Sen. Esse marco moral trata da liberdade que os indivíduos têm para conseguirem realizar o que valorizam. O desenvolvimento seria alcançado à medida em que vetores de funcionamentos da sociedade e da economia ampliassem a liberdade de uma pessoa escolher um estilo de vida entre outros estilos de vida. Ou seja, pressupõe agência (condições para se fazer o que quer) e empoderamento (poder para fazer o que quer e se deseja alcançar). Esses são pressupostos totalmente estranhos aos dalits. Não existe liberdade quando uma pessoa é forçada a viver uma vida determinada pelo sobrenome que carrega.
“Os fracassados e os oprimidos acabam por perder a coragem de desejar coisas que outros, mais favoravelmente tratados pela sociedade, desejam confiantemente. A ausência de desejo por coisas além dos meios de que uma pessoa dispõe pode refletir não uma valoração deficiente por parte dela, mas apenas uma ausência de esperança, e o medo da inevitável frustração. O fracassado enfrenta as desigualdades sociais ajustando seus desejos às suas possibilidades.” (Amartya Sen)
Alguns dalits, porém, conseguiram superar as barreiras. Ainda são comparados com o tigre branco, um dos mais raros animais existentes, apenas um por cada geração.
Em 1997, tomou posse o primeiro presidente dalit da Índia, Kocheril Raman Narayanan.
Eleito pelo Parlamento em julho, o atual presidente da Índia, Ram Nath Kovind, também é dalit, mas sua indicação foi vista com suspeição por ativistas: ele é criticado por nunca ter sido atuante na defesa dos direitos dos dalits. Além disso, a função de presidente na Índia é apenas cerimonial.
Muitos intelectuais e nomes proeminentes da Índia são criticados por não fazerem uma defesa enfática do fim das castas. Nem Mahatma Gandhi sai ileso. Os registros indicam que ele nunca se opôs ao sistema de castas. Embora defendesse que os homens eram iguais, essa igualdade estava relacionada a sua condição na casta. Todos devem fazer aquilo que está definido para sua casta, mas isso não devia tornar ninguém impuro ou intocável.
De fato, apesar das castas causarem tantos danos à sociedade indiana, inclusive muita violência, há um enorme silêncio sobre elas. Ao contrário do racismo ou do Apartheid em que o conflito entre brancos e negros é evidente, a questão das castas não é facil de ser reconhecida por não indianos.
Na Circulares, a Índia é o cenário de O Tigre Branco, de Aravind Adiga A Distância entre nós, de Thrity Umrigar O Xará, de Jhumpa Lahiri
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Aravind Adiga nasceu em 1974 na Índia. Viveu alguns anos na Austrália e estudou nos Estados Unidos e na Inglaterra. O tigre branco foi seu primeiro romance e ganhou o Man Book Prizer em 2008. A história de Balram, narrada no livro, é recheada de ironia e crítica social às desigualdades sociais e ao sistema de castas da Índia. Aravind parece ter grandes presunções como escritor. Logo após a premiação do Man Book Prizer, ele declarou: “Numa época em que a Índia passa por tantas transformações e que, juntamente com a China, deverá herdar o mundo das mãos do ocidente, é importante que escritores como eu tentem destacar as brutais injustiças sociais. Isso foi o que escritores como Flaubert, Balzac e Dickens fizeram no século 19 e, como resultado, a Inglaterra e a França são sociedades melhores. Isso é o que estou tentando fazer — não um ataque ao país, e sim um processo abrangente de auto-exame”.

Thrity Umrigar nasceu em Mumbai, na Índia, em 1961. Mudou para os Estados Unidos aos 21 anos e trabalhou como jornalista por quase 20 anos. Atualmente dá aulas de literatura e escrita criativa na Case Western Reserve University, em Cleveland, e colabora com jornais como o The Washington Post e The Boston Globe. É autora de A hora da história, A doçura do mundo e o best-seller A distância entre nós.
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