As heroínas que vivem em Buchi Emecheta
- circulareslivros
- 12 de ago. de 2021
- 3 min de leitura

Quanto sofrimento, resiliência, determinação e coragem cabem em uma existência? A vida de Buchi Emecheta, retratada em Cidadã de Segunda Classe, em No Fundo do Poço e em As Alegrias da Maternidade, é uma amostra disso tudo.
Em sua escrita, Buchi apresenta muitas questões, algumas diretas, que acompanham a narrativa principal, outras, sutis, não menos importantes, compondo um quadro da sociedade nigeriana pós-colonial nos anos 60 e da imigração africana para a Europa. De forma direta, toda a força do patriarcado, definindo, controlando e limitando a vida das mulheres. Força que não é restrita apenas à Nigéria, mas se encontra viva e atuante também no “Paraíso Londrino”. Há um padrão específico de masculinidade que autoriza castigos físicos e morais contra as mulheres. Impossível não sentir o peso das tradições, em confronto com novos costumes, redefinindo relações sociais e familiares. Impossível não refletir sobre a supervalorização da maternidade, sobre a competição e a amizade entre as mulheres. Buchi também expõe e problematiza o sistema colonial britânico, a convivência problemática, desigual e humilhante entre africanos e europeus. Têm espaço também o racismo e a discriminação com o qual se deparam os africanos que chegam aos países europeus com população predominantemente branca e a difícil inserção social.
Pelas vozes de Adah e Nnu Ego, Emecheta exorciza suas próprias dores. Cidadã de Segunda Classe e No Fundo do Poço são essencialmente autobiográficos. As Alegrias da Maternidade, apesar dos muitos elementos ficcionais, também repodruz acontecimentos da vida da escritora. Ela nasceu em Lagos, mas passou sua infância em Ibuza. Depois de muita insistência, foi matriculada em uma escola missionária para meninas, onde aprendeu o inglês. Perdeu os pais cedo e morou com diversos parentes. Casou-se aos dezesseis anos e teve cinco filhos. Com a família, mudou-se para Londres para o marido estudar. Aos vinte e dois anos, divorciou-se, um feito colossal por si só para a época e para a sua condição de imigrante africana na Inglaterra. Seu ex-marido renegou os filhos, e ela os criou sozinha, enfrentando as mais diversas dificuldades, num país estrangeiro, sem estudo e sem recursos. Formou-se em sociologia. Posteriormente, confrontou-se com a decisão de uma de suas filhas já crescida de morar com o pai, aquele mesmo que as tinha rejeitado. Usou a escrita como fator de empoderamento e escape à toda a infelicidade que vivia no casamento. Depois, sua escrita tornou-se política, instrumento de denúncia sobre o racismo e a condição da mulher.
Como a própria escritora, ambas heroínas, enfrentaram percalços limítrofes: falta de dinheiro e comida, uma pobreza doída e miserável, trabalho extenuante para conseguir qualquer recurso para alimentar os filhos, muito desamparo ao enfrentar todos esses desafios sem qualquer apoio do marido, uma solidão dolorosa por não ter tempo, nem condições materiais, de cultivar amizades verdadeiras. De maneiras diferentes, mas marcados pelo território que estão, Adah e Nnu Ego transmudaram suas próprias subjetividades no exercício de observação da posição das mulheres (e de si próprias) no mundo e ao não se submeterem, em maior ou menor grau, à dominação masculina, às tradições de origem.

Buchi Emecheta é uma das primeiras escritoras proeminentes da Nigéria. Escreveu quinze romances e uma autobiografia, além de peças de teatro e artigos para jornais. É considerada uma grande contadora de história, descortinando as representações da mulher africana para o mundo. Morreu aos 72 anos de idade, em janeiro de 2017.
Conheça mais sobre a Nigéria nas estantes da Circulares: As Alegrias da Maternidade, de Buchi Emecheta Cidadã de Segunda Classe, de Buchi Emecheta No Fundo do Poço, de Buchi Emecheta Meio Sol Amarelo, de Chimamanda Ngozi Adichie Fique Comigo, de Ayobami Adebayo
Comments