FIM, de Fernanda Torres
- circulareslivros
- 12 de ago. de 2021
- 2 min de leitura

“FIM”, de Fernanda Torres, não é um livro sobre términos, sobre o fim do túnel ou da vida. Trata de escolhas, da passagem rápida do tempo, da diferença entre a sensação do tempo vivido e da realidade em si, da inexorabilidade da vida — que não deixa muita margem para refazimentos ou para rebobinações — da dor de se olhar no espelho e aceitar quem se é e quem se escolheu ser. Esse livro gira em torno de personagens masculinos, mas não é sobre homens; é muito mais sobre como os homens veem as mulheres ou, mais precisamente, sobre como as mulheres de fato são, sobre a forma como assumem — sem nem imaginar — os papéis que lhes são atribuídos de esposas, de namoradas, de amantes, de donas de casa, de caçadoras de maridos. Trata, em essência, de verdades muito cruas sobre todos e, também, sobre as mulheres que fantasiam futuros brilhantes, casamentos bem-sucedidos, homens eternamente vorazes, dedicados e fiéis.
Nas vidas de Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro — e das mulheres que os rodeiam –, ganham contornos comoventes a incompreensão, a impossibilidade de se viver junto, a anulação, o aniquilamento, o tédio que a rotina do casamento pode gerar. Fatalmente, as pessoas — que se amam e que se rendem aos ditames sociais e à própria vontade de “estar juntos” e de “viver felizes para sempre” — parecem que sempre acabam separados pelo próprio enlace matrimonial do casamento, pela dura rotina que arrefece qualquer nesga de amor, de privacidade, de emoção, de paixão. Para esses cinco amigos, há apenas duas opções: ou permanecem casados e infelizes; ou separam-se para tentarem ser felizes (ou para arrependerem-se irremediavelmente). No livro, a infidelidade crônica dentro do casamento, que era uma prática habitual nas décadas de 1950, 60, 70 e 80, não é apresentada como uma opção de vida para nenhum deles. Além disso, todos têm em comum o fim, a morte, o enterro, com o qual os que ficam têm que lidar. Se a vida é brilhante e escaldante, vigorosa e hedonista, regada à pura esbórnia e bandalheira; os exageros ilimitados de Copacabana, Rio de Janeiro, sempre terminam no São João Batista ou no crematório do Caju.
O livro tem vida própria. É especial por si só, por sua ironia, por sua cadência, por seu ritmo, por seu vai-e-vem de histórias e interpretações insólitas sobre casamento, cotidiano, realidade. “Fim” chama atenção pela forma como a narrativa — encabeçada ora por um, ora por outro personagem — dá uma volta inteira pelo prisma da verdade, indo do fluxo de reflexão individual ao fluxo da narrativa, passando pelas sensações, sentimentos, culpas, compreensões, comentários sórdidos, enfermidades, desesperos, alegrias, loucuras e alucinações. Qualquer semelhança…
(A escritora Joana Rosa Lima Freitas circulou suas ideias aqui)

Fernanda Torres estreou na literatura de forma triunfal com FIM. Embora uma atriz reconhecida, seu sucesso passa longe do fato de já ser famosa quando se revelou uma escritora de tanto talento. Como colunista da Folha, retrata o cotidiano com muita originalidade.
Sugestões: O inferno da Disney, coluna de Fernanda Torres na Folha, de 2012 Sobre envelhecer, de @Circulares
De “Fernandinha”, a @Circulares também tem: A Glória e seu Cortejo de Horrores
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