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O homem que amava os cachorros


No “O homem que amava os cachorros”, Leonardo Padura nos conduz pelos fatos já conhecidos do assassinato de Trotsky e dos expurgos de Stalin. O talento de Padura nos deixa completamente envolvidos pelos personagens, tão humanos e tão concretos, que ele desenvolve em três planos de tempo diferentes.

Acompanhamos Trotsky nas diversas localidades em que viveu seu exílio até seu assassinato na cidade do México. Em paralelo, assistimos à formação do revolucionário espanhol Ramón Mercader que foi o escolhido para cumprir a missão de eliminar Trotsky.

O terceiro plano narrativo situa-se em Cuba, nas últimas décadas do século XX, em uma conversa entre um senhor chamado Jaime López e um jornalista desencantado com as condições para o exercício da sua profissão naquele país.

Os momentos que essas pessoas e seus contemporâneos viveram são maiores que os papéis que lhes couberam. Assim, para que o leitor tire o máximo de proveito dessa experiência, vamos aqui contextualizar os ciclos históricos que perpassam esse romance: a Revolução Russa, a Guerra Civil Espanhola e a Revolução Cubana.

Stalin, a esquerda. Trotsky, a direita

Revolução Russa No início dos anos 1900, a Rússia, sob o comando do Czar Nicolau II, vivia um período de grande conturbação social. A pobreza generalizada contrastava com o luxo da nobreza, custeada com os altos impostos cobrados da população mais pobre. O governo absolutista oprimia a população que pouco ou nada participava das decisões políticas, mas arcava com as mortes, a fome, o desabastecimento de alimentos e combustíveis. Para completar o quadro, uma recém formada classe operária, que lutava por melhores condições de vida e trabalho, organizou-se e passou a divulgar e defender as ideias comunistas e marxistas. As condições para a revolução russa estavam dadas.

A revolução russa ocorreu em duas fases. A primeira marca a deposição do czar, em fevereiro de 1917, e a criação de um governo provisório liderado por descendentes da nobreza latifundiária. No mesmo palácio, o Soviete de Petrogrado ocupou um escritório e colocou-se imediatamente em oposição, revisando os atos do governo provisório e dividindo a lealdade do Exército. Entre muitas outras coisas, os dois grupos divergiam quanto à permanência dos russos na 1a. Guerra Mundial. Os revoltosos queriam a saída imediata.

A Alemanha também queria que a Rússia se retirasse da 1a. Guerra e enxergou no conflito doméstico uma possibilidade de que isso acontecesse. Desse modo, garantiu a Lenin, então exilado na Suíça, toda a segurança necessária para seu retorno ao país . Com o lema “Todo poder aos sovietes” e a defesa da nacionalização dos bancos e das empresas, Lenin liderou o partido Bolchevique ao poder contra aqueles que defendiam a antiga República Russa. Esse período, entre 1917 e 1922, conhecido como Revolução Vermelha, foi de grande violência e no final levou à formação da União Soviética, com a anexação dos territórios da Ucrânia, Bielorrússia e Transcaucásia.

Trotsky teve um papel fundamental para o sucesso da revolução bolchevique. Comandou pessoalmente o Exército Vermelho, cruzando o país no célebre trem blindado, ao mesmo tempo símbolo do poderio militar revolucionário e de propaganda política. Lenin o tinha em grande conta e por diversas vezes manifestou publicamente sua confiança e aprovação a Trotsky. Por outro lado, criticava Stalin abertamente. O rápido processo de adoecimento de Lenin, que levou a sua morte precoce em 1924, antes que pudesse definir seu sucessor, abriu espaços de poder, que Stalin soube ocupar. De fato, Lenin escreveu uma carta na qual indicou Trotsky para assumir o posto e recomendou que Stalin fosse afastado do poder. Essa carta foi interceptada pelos espiões de Stalin, que acabou por se consolidar como o líder político supremo da União Soviética entre 1924 e 1953.

Stalin colocou em marcha o processo de industrialização da União Soviética e adotou uma sistema de economia centralizada com base em planos quinquenais. No âmbito político, afastou do partido comunista antigos líderes bolchevistas, como Bukharin e Rykov, e mandou para o exílio Trotsky. Promoveu a prisão de mais de 1 milhão de pessoas e o assassinato de outras 700 mil, no que entrou para a história como o Grande Expurgo. Externamente, promoveu o marxismo leninismo no exterior através da Internacional Comunista e apoiou movimentos antifascistas por toda a Europa, inclusive a Guerra Civil Espanhola.


Guerra Civil Espanhola Em 26 de abril de 1937, Guernica, na Espanha, foi bombardeada, totalmente destruída. Pablo Picasso captou a sensação de caos — mulheres e crianças, um touro, um cavalo, gritos e desespero, em grande mural que acabou por se tornar um manifesto contra todas as guerras do século XX.

O episódio de Guernica fez parte da história da Guerra Civil Espanhola, um conflito que ocorreu entre 1936 e 1939 e dividiu a Espanha. De forma simplista, o governo eleito que formou a 2a. República, com viés socialista e reformista, enfrentou a resistência do Movimento Nacional, que agregava as forças de direita. Esse movimento era liderado pelo General Francisco Franco.

As duas potências mundiais, União Soviética e Alemanha, cada uma apoiando o seu respectivo aliado ideológico, utilizaram esse conflito para demonstrar força e testar diversas inovações bélicas que seriam mais tarde empregadas na 2a. Guerra Mundial. Além da guerra regular nos campos de batalha, a guerra civil espanhola foi marcada por táticas de guerrilha e por imensa violência de ambos os lados.

Stálin condicionou a entrega de armas à República se os comunistas pró-URSS dominassem as ações militares esquerdistas. Isso provocou uma batalha entre as esquerdas, travada nas ruas de Barcelona, entre 3 e 8 de maio de 1937, com aproximadamente 500 mortos e 1000 feridos, o que levou à desarticulação das forças progressistas, facilitando a vitória dos franquistas.

O lado nacionalista saiu vencedor e a Espanha mergulhou em uma ditadura, isolada do mundo até a morte do General Franco, na década de 1970.


Revolução Cubana A luta de Fidel Castro e seus partidários iniciou-se com o golpe promovido por Fulgêncio Batista, em 1953, instituindo uma ditadura totalmente alinhada aos interesses dos Estados Unidos, que tinham transformado a ilha em seu quintal de negócios, altamente lucrativos, em detrimento da economia cubana. Nesse sentido, Castro liderou um enfrentamento com bases nacionalistas, contra a exploração americana.

Em 1959, Fulgêncio saiu do país e Fidel se autointitulou primeiro-ministro e iniciou uma série de reformas, como a reforma agrária e a nacionalização das empresas estrangeiras. Tais medidas foram totalmente repudiadas pelos norte-americanos, que passaram a se opor radicalmente ao novo regime. Se no início não havia um cunho marxista nas intenções de Castro, o ataque ianque à Baía do Porco e a polarização da Guerra Fria, levou o país a adotar um discurso comunista para garantir o apoio e proteção da União Soviética contra os ataques e bloqueios econômicos impostos pelos Estados Unidos.

Quando a União Soviética entrou em colapso, os subsídios desapareceram, e Cuba passou por uma grande crise. Embora os indicadores socioeconômicos do país apresentem escolaridade alta, boa qualidade e acesso ao serviço de saúde e segurança alimentar, Cuba não logrou transformar-se em um país desenvolvido. O embargo foi um grande entrave, jamais superado, limitando qualquer expectativa de inserção no comércio mundial. A democracia é restrita, mas o sistema econômico político conta com o apoio da população. Embora algumas medidas liberalizantes já tenham sido colocadas em prática, permitindo que as pessoas expressem por exemplo sua religiosidade, a população ainda se ressente da falta de liberdade para expressão e do acesso limitado à internet.

Cuba busca saídas para um desenvolvimento mais vigoroso, sem colocar em risco a igualdade econômica alcançada, ampliando liberdades individuais, mas ainda tendo no Estado um ator decisivo, que limitará as desigualdades intrínsecas ao capitalismo. Cuba não parou no tempo, como muitos querem dizer. Ao contrário, está em movimento, reinventando-se.

Para reflexão: A pergunta que todo o tempo acompanhará tanto os leitores quanto os personagens é: o que significa abraçar e lutar por uma causa? Até que ponto seria legítimo defender um ideal? A utopia vale mais do que a vida? Qual seria o limite ético e moral desse tipo de decisão? Como precisar a linha fina que separa o idealismo do fanatismo?


Leonardo Padura nasceu e vive em Cuba. Ele sempre fala da importância do pertencimento para a sua obra. “Só espero que deixem de me perguntar porque não saio de Cuba. Essa é uma pergunta que me persegue. Não saio porque sou cubano, porque neste bairro nasceram meu pai e meu avô, e vivo na mesma casa em que cresci. A Paul Auster não fazem esse tipo de pergunta o tempo todo.”

 
 
 

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