“NW”, de Zadie Smith
- circulareslivros
- 10 de jul. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 13 de jul. de 2021

Ao atravessar os códigos postais que dividem Londres, percebemos que existem muitas cidades dentro de uma só. Esse sistema de endereçamento acaba por delimitar e qualificar seus moradores. Uma espécie de selo de status. NW1, por exemplo, é mais glamourosa que NW6. E todos sabem disso.
Em NW, Zadie Smith conta fatos de quatro moradores da região situada no noroeste de Londres. Nomes de bairros, ruas, pubs, parques aparecem o tempo todo: Kilburn, Caldwell, Camden Lock, Hampton Heat, Cricklewood. As diferenças de classe e raça se cruzam, mas principalmente definem os limites de onde se pode chegar.
Os protagonistas — Leah, Natalie, Felix e Nathan -, vivem no mesmo cenário urbano e experienciam os mesmos cheiros e a mesma tensão de classe, raça e violência. Cada um, no entanto, se apresenta em uma armadilha íntima, com tormentos e questões éticas a resolver. É uma história com pessoas de carne e osso, cheias de contradições e dramas íntimos.
Kilburn (NW6) é a área onde Leah, Natalie e Nathan cresceram e onde Félix morava com a namorada. Inicialmente formada essencialmente por imigrantes irlandeses — há notícias de que o IRA foi fundado ali -, hoje é um centro multiétnico. Desde os anos 1970, muitos caribenhos e asiáticos mudaram-se para lá. Segundo o censo demográfico realizado em 2011, 24,6% da população é identificada como negra e 11,4% como descendentes de asiáticos. Apenas um pouco mais de 50% das pessoas que moram ali são nascidas na Inglaterra. Para se ter ideia desses números, em toda a Inglaterra 83,5% dos residentes nasceram na Inglaterra. Além disso, considerando a totalidade da população inglesa, 86% se identifica como branca. Nessa área, apenas 56% se apresenta como tal.
A mistura de culturas é realçada na constituição dos personagens da história. As nacionalidades e culturas se mesclam, tão naturalmente quanto o necessário para identificá-las. Leah é filha de irlandeses, casada com um imigrante francês, descendente de argelinos. Os pais de Natalie são jamaicanos e ela se casou com um homem meio italiano, meio africano. Félix foi criado em uma comunidade alternativa afro-caribenha. Dividem a convivência diária com a massa de nigerianos, indianos, paquistaneses e outros exilados que preenchem todos os espaços da NW6.
O cotidiano violento de Kilburn também se sobressai nas páginas do livro em diversos momentos. Kilburn não é conhecida como uma área segura, apresentando índices de criminalidade elevados para a realidade da Inglaterra. Nem sempre de forma sutil, são mostrados aspectos truculentos da cidade, como as ameaças de Shar e seus companheiros, o comportamento das pessoas no transporte público e a briga de rua que o marido de Leah protagoniza, o chute brutal na cachorrinha Olive, Nathan errando pelos becos e o assalto de Félix que acaba em morte.
No cruzamento das ruas, entre encontros, compromissos e incertezas, Zadie vai orquestrando questões para reflexão: por que a maternidade é obrigatória?, como você lida com a invisibilização dos outros nas ruas?, quanto de diferença uma amizade suporta?, quais fantasias você usa todo dia?, o quanto se está disposto a não ser para ser o que acha ideal?
Preste atenção: 1) para cada capítulo, Zadie usa um tempo narrativo diferente. A história de Leah passa em um intervalo de cinco meses. Sobre Natalie, vamos da sua infância até os dias atuais. Já Félix e Nathan, acompanhamos por apenas um dia.
2) Há várias referências no texto sobre outras obras literárias, músicas e bandas.
Um desafio: o número 37 faz diferentes aparições no livro. Consegue percebê-las?
Zadie Smith é considerada um dos maiores talentos da literatura inglesa contemporânea. Seu primeiro livro, Dentes Brancos, foi publicado em 2000 quando ela tinha apenas 24 anos. Esse rom
ance foi incluído na lista Time dos 100 melhores romances em língua inglesa escritos entre 1953 e 2005.
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