Um pouco da história da China pra quem tem pressa
- circulareslivros
- 3 de set. de 2021
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A china é uma das civilizações mais antigas do mundo, com registros históricos que datam de XII a.C. Marcada por guerras, conquistas, invasões. A China sempre foi uma potência mundial. Seu extenso território, a enorme população, o governo centralizado, baseado nos princípios confucianos, mantiveram a grande nação chinesa como importante ator global. Pelo menos até o início do período das grandes navegações, no século XV.
Entre 1405 e 1433, os chineses empreenderam sete expedições de longa distância lideradas pelo almirante Zheng He. As viagens foram do sudeste asiático ao golfo Pérsico, chegando à costa oriental da África décadas antes de os portugueses se aventurarem por lá. É provável que tenham inclusive chegado à América.
Por decisão imperial, em 1433, a China deixou de participar da exploração além mar. O país tinha que lidar com ameaças próximas, como o perigo de uma invasão mongol pelo Norte. Iniciava-se então um longo período de isolamento, em que a China se retirou do cenário mundial.
O século XIX foi marcado pela Revolução Industrial e pela busca por novos mercados para vender a produção excedente. A resistência da China em abrir seus portos aos produtos europeus foi vencida após a Guerra do Opio, em 1845. Diante da derrota, a China entregou 5 portos e a ilha de Hong Kong. Em 1860, ingleses e franceses ocuparam Pequim e conseguiram que mais 7 portos fossem abertos ao mercado internacional. Em 1900, a China foi divida em zonas de influência para cada uma das nações imperialistas. O país nunca foi uma colônia, como a Índia e a Indonésia, mas teve partes do seu território ocupado, despertando sentimentos de humilhação.
Com a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes permitiu que o Japão ocupasse os antigos territórios chineses antes destinados aos alemães. Esse fato deu início a uma grande instabilidade interna na China, que levou a uma longa guerra civil, com o exército nacionalista de um lado e os comunistas, liderados por Mao Tse-tung, do outro. Em 1934, para furar o cerco dos nacionalistas, os comunistas deram início a Grande Marcha. Foram mais de 10 mil quilômetros pelo interior do país e na qual pereceram mais de 80 mil soldados, inclusive um irmão de Mao Tse-tung.

Diante da consolidação da liderança de Mao Tse-tung após a Grande Marcha, foi firmado um pacto de não agressão entre os dois partidos. Somente após o fim da Segunda Guerra Mundial, os dois grupos voltaram a se enfrentar. Enfim, em outubro de 1949, a República Popular da China é proclamada sob o comando de Mao Tse-tung.
Seguiu-se um processo radical de reforma agrária com a formação de diversas cooperativas agrícolas. Com o objetivo de acelerar medidas comunizantes e levar a China ao mesmo patamar de desenvolvimento industrial dos países ocidentais, em 1954, foi lançado o plano Grande Salto Adiante. A ideia era que todos a produção agrícola fosse realizada nas Comunas, a partir de metas definidas pelos comitês centrais, sem base na realidade local.
No entanto, diversos erros levaram ao fracasso do Grande Salto Adiante. Adoção de métodos de plantio inadequados, mão de obra inadequada, confisco da produção, distribuição de alimentos desigual mergulhou a China na Grande Fome. Estudos apontam que mais de 45 milhões de pessoas morreram entre 1959 e 1961. Foi um período violento, com medidas coercitivas cruéis para o cumprimento das tarefas ordenadas. A versão do partido comunista chinês é que a grande fome ocorreu devido a condições ambientais. O governo alega, além disso, que morreram apenas 15 milhões de pessoas — e chama o período de “O difícil período de três anos”.

A próxima década (1966 a 1976) foi marcada pela Revolução Cultural, uma campanha de Mao contra os partidários do “capitalismo”, que também levou a milhões de mortos e paralisou a economia nacional. O Livro Vermelho com o registro das ideias de Mao, era a bíblia dessa revolução. A Guarda Vermelha, milícia criada para defender o maoísmo, combatia os “quatro velhos”: velhas ideias, velhas culturas, velhos costumes e velhos hábitos. A própria cultura milenar chinesa estava sob ataque. A turbulência social causada pela Revolução Cultural só foi apaziguada com a morte de Mao Tse-tung.
É a partir de 1978, com a chegada de Deng Xioping ao poder que a China volta a se abrir ao mundo e retoma seu papel relevante no cenário mundial. Ele introduziu as Quatro Grandes Reformas: modernização da agricultura, da indústria, da ciência e tecnologia e da defesa nacional. De maneira gradual, o controle de preços foi sendo substituído pelo mecanismo de oferta de demanda. Permite-se que a iniciativa privada trabalhe. Os camponeses passam a ter a concessão da terra, e uma vez cumprida a cota para o Estado, podem cultivar o que quiserem em suas terras e venderem livremente. No setor industrial as reformas ocorreram primeiro nas cidades costeiras, com a abertura de zonas econômicas especiais (ZEE), em 1980, sendo permitido o investimento externo para a produção de bens para exportação. A taxa de crescimento da China é da ordem de 9,6% ao ano. Atualmente é a segunda economia do mundo, com previsão de ultrapassar os Estados Unidos em 2028.
Foi no período de governo de Deng Xioping, em 1979, que a política do filho único foi implantada. O crescimento demográfico chinês era muito alto e cálculos econômicos apontavam que poderia haver um esgotamento dos recursos para a alimentação da população se o ritmo fosse mantido. Talvez o período da Grande Fome ainda estive muito vivo na cabeça dos chineses. Todo um sistema de vigilância comunitária foi criado para identificar nascimentos ilegais, promover abortos e esterilizar mulheres. No caso de um segundo filho, a lei determinava punições que iam desde a aplicação de multa até a destruição da casa.

O sistema patriarcal da China tornou essa política ainda mais dramática. São os filhos homens que dão continuidade à linhagem e que herdam os bens da família. Ter uma primeira filha mulher passou a ser totalmente indesejável. Parteiras, enfermeiras, familiares, todas conheciam e participavam de um esquema cruel de abandono, tráfico e assassinato de bebês meninas. É claro que isso deixou marcas profundas em toda a sociedade chinesa e é preciso entender essa problemática dentro de um contexto social e histórico. As sanções estabelecidas, a política de vigilância, a propaganda institucional, ajudaram a definir esse padrão de comportamento sistêmico. O governo admitia que lutava uma guerra populacional e convocou seus cidadãos a combater nas trincheiras dos lares. Ao extinguir a política do filho único em 2015, o Partido Comunista declarou que essa iniciativa foi importante para um país próspero e justo.
Tudo na China é grandioso. Seu território, sua população, sua cultura. As tragédias e sofrimentos também.

A dor das mães que tiveram que abrir mão de suas filhas durante a política do filho único é descrita no livro Mensagem de uma Mãe Chinesa Desconhecida, de Xinram. É um relato comovente das feridas que o patriarcado aprofundou em duas gerações de mulheres e homens chineses que viveram o drama de resolver as meninas que nasciam.
Para os gestores públicos, mostra como a implementação de políticas públicas, sem levar em consideração aspectos culturais e históricos, pode levar a situações extremas de sofrimento social, aumentando desigualdades.
Dica: O documentário One Child Nation, de Nanfu Wang e Jialing Zhang (2019), na Amazon Prime

Xinran é uma jornalista, radialista e escritora, nascida em Pequim, em 1958. Ela foi apresentadora de um programa de rádio em Nanquim entre os anos de 1989 e 1997, denominado “Palavras na brisa noturna”. Nele, discutia aspectos do cotidiano e dava conselhos aos ouvintes. Ela teve a sua vida impactada por todos esses eventos que ocorreram na China no século XX. Seus pais foram presos durante a Revolução Cultural e durante os dez anos em que passaram na cadeia, as duas crianças foram mandadas para escolas militares, marcadas como “crianças negras”, filhos de uma família antirrevolucionária e traidora da nação.
Alugue na Circulares o livro Mensagem de uma Mãe Chinesa Desconhecida.
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